Opinião

Lucas Cortez Pimentel: Precisamos falar sobre as bandeiras tarifárias

Diante da natureza de encargo tarifário e da alteração da política tarifária, bandeiras tarifárias deveriam ter sido instituídas por lei, mas foram instituídas através da Resolução Aneel nº 547/2015 e do Decreto nº 8.401/2015, sendo, portanto, formalmente inconstitucionais

Por Lucas Cortez Pimentel

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No mês de março, o TCU, no processo nº TC 025.919/2017-2, apontou inconformidades das bandeiras tarifárias no cumprimento de seus objetivos. Para além da análise do TCU, é necessário discutir a constitucionalidade das bandeiras tarifárias.

Os recursos arrecadados pelas bandeiras tarifárias, conforme Decreto nº 8.401/2015, são destinados a cobrir os gastos das distribuidoras com: (i) a geração por fonte termelétrica; e (ii) exposições no MCP. Esses gastos já existiam e, antes das bandeiras tarifárias, faziam parte do cálculo da “Parcela A” da tarifa de energia.

Entretanto, as bandeiras tarifárias e a tarifa de energia não se confundem. As bandeiras tarifárias são um adicional à tarifa de energia, como consta no Submódulo 6.8 do PRORET: “as Bandeiras Tarifárias têm como finalidade sinalizar aos consumidores as condições de geração de energia elétrica no SIN, por meio da cobrança de valor adicional à Tarifa de Energia – TE”.

Apesar dos gastos com a aquisição de energia de fonte termelétrica e exposições no MCP não serem novos, eles passaram a ser cobertos pelas bandeiras tarifárias, como um adicional da tarifa de energia. Dessa forma, as bandeiras tarifárias assumem a natureza de encargo tarifário.

Além disso, o Decreto nº 8.401/2015 prevê que os recursos das bandeiras tarifárias devem ser repassados, pelas distribuidoras, à Conta Centralizadora dos Recursos das Bandeiras Tarifárias – CCRBT, criada e gerida pela CCEE.

Assim, resumidamente, caso uma distribuidora arrecade, com as bandeiras tarifárias, valores superiores ao necessário para custear seus gastos que devem ser cobertos pelas bandeiras tarifárias, o excedente será repassado à CCRBT, originando um “débito” na CCRBT. Na outra ponta, caso uma distribuidora não arrecade, com as bandeiras tarifárias, recursos suficientes para custear seus gastos que deveriam ser cobertos pelas bandeiras tarifárias, ela terá um “crédito” na CCRBT e receberá repasses da CCRBT.

Com a CCRBT, os riscos das distribuidoras envolvendo a aquisição de energia de fonte termelétricas e as exposições no MCP passam a ser compartilhados entre todo o SIN, alterando-se a “política tarifária” então vigente. A planilha abaixo, com dados sobre os créditos e débitos de algumas distribuidoras na CCRBT, obtidos no site da CCEE, exemplifica esse compartilhamento de riscos:

COMPETÊNCIA 2017 ACUMULADO
AGENTES DÉBITOS ACUMULADOS CRÉDITOS ACUMULADOS
CELPE R$ 83.385.136,50 R$ 53.685,98
COELBA R$ 107.258.728,82 R$ 138.830,18
COELCE R$ 148.530.055,11 R$ 119.231,63
CEMIG R$ 20.902.033,64 R$ 208.330.399,23

Nos exemplos acima, em 2017, cerca de R$ 338 milhões pagos pelos consumidores da Celpe, da Coelba e da Coelce, a título de bandeiras tarifárias, foram destinados à CCRBT e repassados a outras distribuidoras do SIN, como a Cemig, que recebeu da CCRBT cerca R$ 187 milhões no mesmo ano.

Antes das bandeiras tarifárias, não havia esse compartilhamento de riscos. Eventuais gastos com a aquisição de energia de fonte termelétricas e exposições no MCP, não cobertos pela tarifa de energia, eram equalizados por meio dos reajustes/revisões tarifários da própria distribuidora, sendo custeado pelo mercado consumidor da própria distribuidora.

Isto é, as bandeiras tarifárias são um instrumento de política tarifária, na medida que interferem no compartilhamento dos riscos entre os consumidores cativos do SIN.

A Constituição Federal, em seu Artigo 175, parágrafo único, inciso III, reserva à “lei” o tratamento de matérias relacionadas à política tarifária, o que inclui a criação de encargos tarifários ou a alteração de políticas tarifárias.

Diante da natureza de encargo tarifário e da alteração da política tarifária então vigente pela CCRBT, as bandeiras tarifárias deveriam ter sido instituídas por lei. Ao invés disso, as bandeiras tarifárias foram instituídas através da Resolução Aneel nº 547/2015 e do Decreto nº 8.401/2015, sendo, portanto, formalmente inconstitucionais.

Assim, há uma grande possibilidade das bandeiras tarifárias serem consideradas inconstitucionais pelo judiciário brasileiro, o que impossibilitará a sua cobrança. Caso isso ocorra, novas judicializações em massa serão inevitáveis, ficando o exemplo de que, em um setor amplamente regulado, como o de energia, os fins não podem, em hipótese alguma, justificar os meios, sob pena de trazer insegurança jurídica e instabilidade ao setor.

Lucas Cortez Pimentel é advogado e especialista em Direito de Energia do escritório Da Fonte, Advogados

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