Opinião

Rafael Kelman: Planejando o planejamento

Por Fabio Couto

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Por mais de 50 anos o setor elétrico brasileiro se expandiu em base à hidroeletricidade, transferindo a energia hídrica no tempo (entre períodos úmidos e secos) e no espaço (entre subsistemas), por meio de grandes reservatórios
e extensa rede elétrica. Contava ainda com usinas térmicas para dar confiabilidade ao suprimento.

Esta lógica começou a ser alterada há cerca de 20 anos. Desde então nenhuma hidrelétrica com grande reservatório foi construída. Mais recentemente, a expansão de qualquer hidrelétrica parou de vez. Em sentido contrário, há um rápido crescimento de outras fontes renováveis (FR), em geral para além do previsto nos planejamentos, tanto no Brasil quanto no exterior. A principal razão é a redução de custos das tecnologias, que entre 2009 e 2017 foi de 50% para a fonte eólica e 75% para a solar. Torres eólicas cada vez mais altas aproveitam velocidades maiores (a potência
varia com o cubo da velocidade) e módulos fotovoltaicos convertem cada vez mais radiação em eletricidade.

Além disso, ocorreu a massificação da produção dos equipamentos. A competitividade das FR costuma ser calculada pela anuidade do custo de investimento e custo anual de O&M dividido pela energia gerada no mesmo período.  Como a interrupção no fornecimento de energia por falta de vento ou sol é inadmissível, as FR precisam de outros recursos, despacháveis quando necessário. Por exemplo, em alguns países usinas a gás são instaladas e operadas para compensar a variabilidade da produção das FR. Portanto, uma avaliação completa da competitividade deve incluir o custo deste serviço de backup.

A adoção das FR resultou em aumento do preço da energia nos mercados mais verdes, tanto pelo custo do backup (vejam artigo If solar and wind are so cheap, why are they making electricity so expensive? na edição online da Forbes) quanto pelo custo do pioneirismo (os preços dos contratos do PROINFA, por exemplo, são muito maiores do que os resultantes de leilões recentes). Na Alemanha, o aumento foi de 51% entre 2006 e 2016, na Califórnia de 24% entre 2011-2017 e na Dinamarca mais de 100%.

O custo do serviço de backup no Brasil é certamente um dos menores do mundo graças à predominância da fonte hidrelétrica, que responde bem às variações das FR. Ou seja, quando as FR aumentam a produção, armazena-se água nos reservatórios. E vice-versa. Porém esse custo deve aumentar pelo continuado (e concentrado) crescimento das FR no Nordeste. Uma amostra é que parte da capacidade das linhas de transmissão até o Nordeste já é reservada pelo ONS para compensar a queda de produção das FR locais pelo aumento da produção hidrelétrica nos demais sistemas.

Qual o custo de manter esta capacidade ociosa agora e quanto aumentará nos próximos 20 anos? Fará sentido prescindirmos do potencial hidrelétrico remanescente e dos reservatórios de regularização, considerado a expansão das FR? Até que ponto os leilões devem premiar somente a energia, aumentando a variabilidade pela concentração dos parques eólicos nos hotspots? O “efeito portfólio” das hidrelétricas, instaladas em tantas bacias hidrográficas não deveria também ser perseguido para as FR? O armazenamento da energia poderá no futuro compensar a variabilidade das FR? Quais os impactos da expansão das FR sobre a formação de preços, que a partir de 2020 deverão ser horários?

Estas questões motivam projeto promovido pela cooperação alemã para o desenvolvimento sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmBH” com foco nas atividades de planejamento do sistema elétrico brasileiro. O projeto busca aperfeiçoar os procedimentos atuais aos novos tempos. As instituições
beneficiadas (EPE e ONS) escalaram equipes técnicas por tema (grid code, planejamento energético e elétrico e tecnologias) para discutirem com o consórcio consultor (Lahmeyer, Tractebel e PSR) possíveis aperfeiçoamentos,
sobretudo metodológicos. O planejamento do setor elétrico precisa adequar-se às rápidas transformações setoriais, um desafio que demandará muito trabalho.

Rafael Kelman é diretor da PSR

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