Opinião

Chelonoidis brasilis, uma nova espécie de jabuti

O PL das eólicas offshore criou jabutis só vistos no Congresso Nacional, e o que trata do uso de hidrogênio líquido a partir do etanol de cana de açúcar é um dos mais exóticos

Por Rafael Kelman

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Uma nova espécie de jabuti foi recentemente encontrada em Brasília. Taxonomistas de todo o mundo se reuniram e, a despeito de intensos debates, não concluíram como classificá-la. Misteriosamente, uma descrição inicial foi encontrada num improvável texto chamado “Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 484/2017” que descrevia algo sobre projetos eólicos offshore, uma outra espécie. 

A enigmática redação dizia o seguinte: “...também deverão ser contratados 250 MW de energia proveniente do hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste até o segundo semestre de 2024, com entrega até 31 de dezembro de 2029”.

A proposta suscitou conflito de interpretações entre os cientistas. Houve quem argumentasse que a nova espécie teria surgido devido ao excesso conjuntural de energia no sistema elétrico brasileiro. A altíssima ineficiência em converter energia bruta em útil seria uma maneira discreta de jogar energia fora para não aumentar o desequilíbrio. Algo como uma resistência elétrica no mundo animal.

Outro grupo apontou para a impossibilidade do surgimento da nova espécie, que desafiaria a Teoria da Darwin sobre a sobrevivência do mais apto. Afinal, não faria sentido um jabuti com eficiência energética tão baixa ser resultado da evolução natural. O jabuti iria produzir energia útil num processo com cinco fases. Primeira, conversão da energia do sol em açúcar da cana pela fotossíntese. Segunda, açúcar em etanol. Terceira, do etanol faria o hidrogênio. Quarta, liquefação do hidrogênio. Quinta, produção de energia com o hidrogênio líquido. Ninguém conseguiu entender a lógica de grande parte da energia ser usada para resfriar o hidrogênio à temperatura de -253 oC para conseguir armazená-lo, se o etanol já possui essa propriedade à temperatura ambiente. Aliás, ninguém entendeu nada.

Após matutar algum tempo, um taxonomista sueco, descendente direto de Carl Linnaeus, exclamou: “O jabuti não resultou da evolução natural, mas de uma seleção artificial!” Alguns da sala riram, outros acharam isso plausível e lembraram que Brasília era uma cidade peculiar que contava com um grupo de 513 pessoas com perfis variados, algumas bastante criativas, que coletivamente conseguiam transformar qualquer coisa em qualquer coisa. 

Alguém propôs que o quelônio deveria homenagear Victor Frankenstein, que criou um monstro e sugeriu o nome científico Chelonoidis frankenstein. Outro cientista lembrou que esse monstro nasceu com um bom coração, mas sua rejeição pela sociedade o transformou num ser vil. Esse jabuti, entretanto, nasceu sem gosto por alface, mas com um dom de devorar ferozmente o dinheiro dos consumidores: algo como R$ 3 bilhões por ano. Isso seria de tal forma prejudicial, sobretudo para a população mais pobre, que o monstro merecia um nome que celebrasse seu local de descoberta, próximo ao Congresso Nacional: Chelonoidis brasilis.

Rafael Kelman é DSc em Engenharia de Sistemas pela Coppe/UFRJ e diretor executivo da PSR

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