Opinião

Leilão de Reserva de Capacidade e os desafios da competitividade

Propostas para aperfeiçoamentos a serem adotados no leilão, como prazos de implantação, tipos de empreendimentos elegíveis e os requisitos de licenciamento ambiental a serem exigidos

Por Wagner Victer

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O assunto do momento no setor de energia é o Leilão de Reserva de Capacidade, em princípio já pré-agendado para 30 de agosto de 2024, e cuja minuta de Portaria está apresentada na Consulta Pública nº 160 do MME. Dado o atual preço da energia para o consumidor final, ações como esse leilão tem uma grande relevância, que merece, portanto, uma grande reflexão quanto às regras a serem adotadas.

Nessa discussão do leilão, que foi acelerada em 2024 pelo baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, já que estamos chegando ao fim desse período úmido, alguns pontos na portaria que visa regular a participação dos empreendimentos precisam ser objeto de uma maior discussão para um eventual aperfeiçoamento. 

Nessa fase de comentários, esses aperfeiçoamentos abordam questões cruciais, como prazos de implantação, tipos de empreendimentos elegíveis e os requisitos de licenciamento ambiental a serem exigidos.

O chamado "Produto Termelétrica 2027", por exemplo, no cenário atual, permite a participação de empreendimentos novos e existentes e possui prazo de contrato de 7 anos. Uma das reflexões que surgem é a de que não deveria ser permitida a participação de empreendimentos novos, uma vez que o prazo para a implantação desses é extremamente exíguo e o tempo de contrato de 7 anos tornaria a viabilização de projetos novos muito desafiadora.

Na ânsia de muitos empreendedores que têm projetos retidos por uma oportunidade (afinal, não houve leilão em 2023), é possível que haja a inscrição de um ou mais projetos de cronograma “otimista” no leilão. Isso, sob a visão de alguns, geraria um grande risco de obras partirem potencialmente atrasadas ou daqueles que acabam ganhando o leilão sem conseguirem se estruturar financeiramente e precisarem renegociar, com ônus tanto para si quanto para o governo, como já foi visto anteriormente no país.

Já no caso do "Produto Termelétrica 2028", que também em princípio permitirá a participação de empreendimentos novos e existentes, o prazo contratual seria de 15 anos. Nesse caso, também preocupante, existem reflexões de que não deveria ser permitida a participação de empreendimentos existentes. Com o prazo de construção um pouco mais longo e contrato de mais longo prazo, seria a melhor forma de viabilizar novos empreendimentos, reduzindo o risco de não entrega, garantindo a entrada de nova potência no sistema, com projetos com tecnologias mais modernas do que as existentes, com maior tempo de vida e bem mais eficientes, técnica e ambientalmente.

Além disso, colocando-se um produto separado para as "térmicas existentes" e “térmicas novas”, poderia se reduzir o risco do produto “Termelétrica 2027" não ter interessados, uma vez que 2028 seria mais atraente pelo tempo de contrato, além de garantir uma competição justa para os novos empreendimentos.

Com relação ao prazo de implantação, mesmo para 2028, a realização do leilão já no segundo semestre de 2024 e a entrada em operação de usinas novas em apenas 3 anos, mesmo em ciclo aberto, certamente é um prazo bastante desafiador. Para que os grandes empreendimentos novos sejam ainda mais competitivos, poderia ser importante ter um prazo de construção um pouco mais extenso.

A flexibilização da entrada em operação em 1º de janeiro de 2029, ao invés de 1º de janeiro de 2028, é, portanto, se não imperativo, algo a ser mais bem discutido. Dessa forma, os empreendimentos teriam aproximadamente 48 meses para entrada em operação. Além disso, a indústria de fabricantes de turbinas a gás já tem demonstrado preocupação com a disponibilidade de turbinas para início do ano de 2028, o que pode prejudicar a utilização das turbinas mais eficientes ambientalmente e economicamente, ou seja, com o menor "custo por KW", prejudicando a modicidade tarifária e eventualmente encarecendo as tarifas pelos próximos 15 anos.

Por fim, e como forma de aumentar a competitividade com a presença de mais concorrentes, a Portaria nº 102/GM/MME, de 22 de março de 2016, que define o prazo de entrega da licença ambiental em 80 dias antes da realização do leilão, deveria ser revogada ou modificada de forma excepcional. Essa revisão de prazos de disponibilidade da autorização ambiental é importante para ter uma maior competição em um cenário de novos leilões que ficou indefinido por três anos.

Nesse contexto, deve-se observar que o processo de licenciamento ambiental de térmicas tem recebido muita interferência judicial por questões de manifestações de organizações populares, como ONGs, entre outros atores legítimos. Junto ao grande número de processos no Ibama associado a uma eventual paralisação, certamente são fatores que criam um cenário hoje diferente do de 2016. Entendo que esse prazo prévio de 80 dias é extremamente extenso e pode, na atual conjuntura, até prejudicar a participação de diversos empreendimentos novos no leilão, impactando a tão procurada modicidade tarifária.

Nesse sentido, entendendo a importância de órgãos de planejamento energético de governo garantirem apenas projetos com o devido licenciamento ambiental vigente e condizente com a etapa do projeto em análise, sugiro, como reflexão, que para a etapa de cadastramento da Habilitação Técnica, o empreendedor deva, excepcionalmente, apresentar a publicação do aceite dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) emitida pelo órgão ambiental competente. A efetiva apresentação da publicação da licença ambiental, em especial a Licença Prévia (LP), deveria ser exigida em até 30 dias do leilão, para confirmação final da habilitação técnica do empreendimento, como forma de não expor projetos.

Outro aspecto positivo do leilão previsto, já anunciado pelo Ministro de Minas e Energia, é a inclusão de sistemas de armazenamento, em especial de baterias, que mesmo ainda não tendo uma regulação madura, representam uma sinalização muito positiva do ponto de vista de neutralidade tecnológica do leilão. Mesmo considerando que não são ainda competitivas no processo por conta do seu capex, a Nota da EPE anexa à consulta do leilão aponta que, em termos técnicos, as baterias de 4h são capazes de atender às necessidades elétricas do sistema, tal como termelétricas. É importante lembrar que ainda não estão sendo valorados os benefícios dos serviços ancilares, que serão definidos em futura regulamentação da Aneel, e que, sem dúvida alguma, aumentarão a competitividade da tecnologia.

Para mais detalhes sobre armazenamento, sugiro a leitura dos textos abaixo:

(https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/perspectivas_futuras_para_os_servicos_ancilares.pdf)

(https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/nova_regulamentacao_da_aneel_para_o_armazenamento_de_energia.pdf)

Alternativamente, há a possibilidade de, nesse leilão, haver uma categoria especial para baterias, reservando parte da capacidade a ser contratada exclusivamente ao armazenamento, como 20%. Por um lado, isso representaria um aumento na tarifa, e, por outro, seria uma forma de induzir o incipiente setor de armazenamento do país, ao mesmo tempo que estimula positivamente os fabricantes nacionais, tal como ocorreu no Proinfa no passado.

E, da mesma forma que o Governo Federal conduz esses grandes leilões de incentivo, alguns estados deveriam atuar para dar uma maior competitividade a seus empreendimentos, como o próprio Estado do Rio de Janeiro, com a criação de programas de incentivos fiscais, em especial para o aproveitamento do crédito do ICMS do gás natural, tal qual montamos no passado ainda na minha gestão à frente da Secretaria de Energia e Petróleo. Esses programas ainda não foram renovados. O último marco legal de incentivo do Rio de Janeiro teria aplicação para leilões realizados até 2023, precisando, portanto, ser atualizado para garantir a competitividade do estado.

Essas contribuições para reflexão não são definitivas, mas destacam a importância de ajustes na regulamentação das regras do leilão para promover um ambiente mais propício ao desenvolvimento de novos empreendimentos no setor energético. A busca por maior eficiência, competitividade e sustentabilidade fica evidente nas propostas para reflexão acima, e seria importante ver estas sugestões consideradas na elaboração final da portaria do leilão.

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