Opinião

O trilema Descarbonização x Segurança x Economia

Agentes da indústria da energia e estados nacionais fazem apostas variadas sobre onde se posicionar nas cadeias de valor rearranjadas pela transição energética

Por Paulo Cunha

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A evolução da humanidade pode ser narrada sob inúmeras perspectivas. Há, entretanto, um domínio em que as marcas das transições são tão nítidas que podem sinalizar os degraus dos avanços civilizatórios que se sucederam. Trata-se de observar como ocorreram grandes transformações nas formas de produção ou de utilização da energia. Desde o domínio do fogo, ainda na pré-história, passando pela tração animal, ou pelo aproveitamento dos ventos e dos cursos de água, observou-se um longo ciclo sem mudanças substanciais. 

A máquina a vapor alimentada pela biomassa nativa e sucessivamente pelo carvão lançou as bases para a revolução que desaguou nas modernas sociedades industriais. O petróleo, a eletricidade e o gás natural forjaram o mundo de hoje. Em todos esses saltos, tratou-se da incorporação de fontes adicionais aos acervos energéticos hegemônicos em cada fase.

Mais recentemente, novos aproveitamentos da biomassa e da fonte eólica baseados  em intensos avanços tecnológicos, bem como o domínio da  fonte solar na sua avassaladora difusão conformam o segmento das energias renováveis, que avançam e buscam protagonismo na matriz energética mundial. 

Presentemente o hidrogênio, os combustíveis sintéticos e os biocombustíveis se apresentam como energéticos candidatos a contribuir para a mitigação dos efeitos ambientais da corrida da energia, que se acumulam desde a referida revolução industrial e hoje constituem ameaça iminente à sobrevivência da humanidade tal como conhecemos. 

A urgência da descarbonização traz para o centro dos debates a posição da indústria elétrica na matriz energética mundial. A despeito de que, na produção da eletricidade parcela significativa das fontes primárias seja ainda originária dos combustíveis fósseis, a incorporação vigorosa de novos energéticos de baixo carbono passa necessariamente pelos sistemas de elétricos de potência, capazes de instrumentalizar a conversão, o transporte e o compartilhamento de todas as fontes que estiverem disponíveis. 

Essa aptidão pode explicar aspirações de interligação elétrica intercontinental como o programa “One Sun, One World, One Grid – OSOWOG”, anunciado há algum tempo pela Índia, com apoio do Reino Unido. Também os esforços da China para participar da infraestrutura elétrica em todo o mundo sinalizam nessa direção.

Observa-se assim a progressiva busca de eletrificação das aplicações energéticas com vistas a reduzir a intensidade de carbono. Tradicionalmente a utilização do petróleo e do gás natural são dominantes nos usos industriais e nos transportes, enquanto a eletricidade predomina nos usos urbanos e nos serviços. Ocorre que a acelerada eletrificação da mobilidade, ora em curso, vem flexibilizando as fronteiras e pode alterar as participações fazendo com que boa parte dos fluxos energéticos passem a ser incorporados pelos sistemas elétricos de potência. 

Diferentemente das transições já experimentadas, dessa vez o desafio não é somente ampliar, mas substituir os padrões energéticos de modo a reverter a tendência de aquecimento global. Confrontam-se aí o senso de urgência necessário para mitigar os efeitos da iminente catástrofe com a necessidade de reequacionar de forma justa todos os custos e esforços para empreender uma transformação tão espetacular num curto espaço de tempo. Agentes da indústria da energia e estados nacionais fazem apostas variadas sobre onde se posicionar nas cadeias de valor rearranjadas pela transição energética. Essas apostas estão sujeitas a marchas e contramarchas, condicionadas pelo trilema Descarbonização X Segurança Energética X Repercussões Econômicas da Transição. 

O papel dos sistemas de potência enquanto hubs capazes de recepcionar as mais variadas alternativas para associar o atendimento energético à redução da intensidade de carbono é crucial. Essa capacidade de convergência será um fator cada vez mais importante para a solução do problema. Os sistemas elétricos poderão ser os tabuleiros onde se disputarão os novos jogos da energia.

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