Opinião

Porque o Brasil é competitivo para produzir H2 de baixo carbono

Recursos naturais, potencial de produção, memorandos e pré contratos permitem ao Brasil para iniciar os primeiros projetos de hidrogênio de baixo carbono, mas desafios como o alto custo da molécula ainda precisam ser enfrentados. Leia a análise de Sylvain Jouhanneau.

Por Sylvain Jouhanneau

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O hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis ​​e de baixo carbono desempenha um papel fundamental na transição energética mundial. A adoção do chamado combustível do futuro é um elemento chave para a mitigação do efeito estufa e permite a descarbonização de setores industriais e de transportes pesados, como o marítimo e aviação, que não podem ser diretamente eletrificados. Para cumprir com as metas climáticas previstas no Acordo de Paris, o uso do hidrogênio de baixo carbono é hoje uma solução que parece inevitável.

De fato, o mundo está de olho nessa solução. Um estudo da Deloitte Brasil aponta que, até 2050, mais de US$ 9 trilhões deverão ser injetados na cadeia global de abastecimento de hidrogênio limpo para alavancar o alcance do net zero. Desse total, cerca de US$ 3 trilhões serão investidos em economias em desenvolvimento.

Na América Latina e no Caribe, por exemplo, os projetos de hidrogênio de baixo carbono anunciados até o momento têm o potencial de elevar a capacidade de produção da região para 3,5 milhões de toneladas até 2030, com destaque para a rota que utiliza a eletrólise com renováveis. Segundo relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), a estimativa é que se todos os projetos de fato se concretizarem, esse volume pode chegar a 6 milhões de toneladas, representando 15% dos empreendimentos globais anunciados.

Graças aos seus recursos naturais excepcionais, incluindo solar e eólico, em terra e no mar, o Brasil oferece um enorme potencial para a produção de hidrogênio gerado a partir de fontes renováveis. A eletricidade responde por 60% do custo de produção do hidrogênio de baixo carbono e o Brasil tem a vantagem de ter uma rede elétrica com acesso a fontes limpas de energia de custo competitivo. Isso faz do Brasil um dos países mais competitivos do mundo para produzir hidrogênio de baixo carbono. E esse potencial competitivo não se limita ao hidrogênio, mas a todos os setores que consomem a molécula para produzir os chamados “derivados de hidrogênio”.

Na indústria brasileira a aplicação do hidrogênio de baixo carbono pode ser bastante variada, pois além de ser utilizado diretamente na geração de energia elétrica ou térmica, também é aproveitado para a produção de químicos ou combustíveis sintéticos e para fins industriais ou de mobilidade. Setores como o de metalúrgicas, siderúrgicas, indústria cerâmica, de vidro e de cimento também apresentam potencial para a sua aplicação, pois são os que consomem gás natural e carvão, incluindo o vegetal, em processos de queima em fornos e aquecedores.

O desenvolvimento e a implantação de tecnologias para novos usos finais do hidrogênio de baixo carbono – incluindo a aplicação em setores de difícil descarbonização, como o de transporte –, devem ocorrer em paralelo com ofertas de linhas específicas de financiamento e a precificação do carbono, o que irá impulsionar a produção do hidrogênio no país. Por isso, investir para incentivar a produção interna e atender a demanda brasileira pode ser a chave para a reindustrialização e a inserção do Brasil na nova economia global baseada na transição para o baixo carbono.

Em dezembro de 2023, o Ministério de Minas e Energia (MME) participou da Mesa Redonda em Alto Nível de Hidrogênio da COP28, em Dubai, e assinou duas declarações que têm como objetivo posicionar o Brasil no mercado internacional de hidrogênio. A primeira visa mutuar sistemas de certificação de hidrogênio e a segunda propõe ações públicas e privadas para desenvolver esse mercado. Thiago Barral, do Ministério de Minas e Energia, destacou no evento: “Temos potencial para produzir 5% de toda a demanda mundial de hidrogênio de baixo carbono na próxima década”.

Entre os estados brasileiros, o Ceará é o que tem maior número de projetos previstos, com mais de 30 assinaturas de memorandos de entendimento com empresas nacionais e estrangeiras, o que sinaliza investimentos acima de US$ 30 bilhões (R$ 145,7 bilhões). Desses, há quatro pré-contratos já firmados, nos quais a previsão de investimento é de US$ 10 bilhões (R$ 48,5 bilhões). Além disso, o Nordeste como um todo tem grande potencial para produzir hidrogênio de baixo carbono em um volume superior ao que o Brasil pode consumir. Essa condição transforma o país em um exportador do combustível, além de impulsionar uma matriz energética que seja ainda mais limpa para a indústria nacional.

Com esse cenário em vista, pode-se dizer que o Brasil tem a capacidade de iniciar prontamente os primeiros projetos de produção de hidrogênio de baixo carbono. Mas, para alcançar esse feito, alguns desafios ainda precisam ser enfrentados. Um deles, por exemplo, seria a molécula ainda possuir um custo bastante elevado, em comparação com outras tecnologias ou opções energéticas. Segundo cálculos preliminares, produzir um kg de hidrogênio de baixo carbono no Brasil custaria entre U$ 4 e US$ 8. Entretanto, para ser competitivo com o hidrogênio de fontes fósseis, esse custo teria de baixar para US$ 1,5 a US$ 2.

Sim, o hidrogênio de baixo carbono não é perfeito e possui sua complexidade e os seus riscos, mas hoje ele oferece uma resposta parcial ao nosso problema de aquecimento global. Por isso, é urgente organizar a interrupção do financiamento e subsídio ao carvão e ao petróleo e redirecioná-los para soluções que possam descarbonizar os setores de difícil redução de emissões e o transporte. Não podemos esperar mais, pois, segundo a Climate Reanalyzer, 2023 foi o ano mais quente que a Terra já registrou desde o início das medições de temperatura.

Até 2030, espera-se que o Brasil se estabeleça como um grande produtor de hidrogênio de baixo carbono.

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