Opinião

Fatores de competitividade de um projeto de usina eólica onshore

Dada a conjuntura desfavorável para a viabilização de novos projetos, é fundamental priorizar aqueles capazes de produzir energia elétrica ao menor custo

Por Eduardo Tobias

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Introdução

Apesar dos volumes recordes de expansão da capacidade instalada da fonte eólica e da fotovoltaica, a assinatura de novos contratos de longo prazo de venda de eletricidade e, consequentemente, a contratação de novas obras têm reduzido bastante. A principal razão é a enorme queda nos preços de energia elétrica de longo prazo, da ordem de 41% só nos últimos 12 meses, segundo dados da DCIDE (2023)[i]. Além disso, as altas taxas de juros e o ainda elevado valor do CAPEX[1], se comparado com valores pré-Covid, também oneram a competitividade de novos projetos. Concomitantemente, o mercado de projetos de geração centralizada está altamente concorrido. O estoque de projetos de usinas eólicas (UEE) e de fotovoltaicas (UFV) autorizados pela Aneel não para de crescer. Já são mais de 149 GW em projetos com outorga de autorização emitida, totalizando 3.499 projetos. Destes, 136,4 GW não iniciaram a construção (Aneel, 2023)[ii].

Em um ambiente de baixos preços de eletricidade, altas taxas de juros, CAPEX elevado, sobreoferta de projetos e competição direta entre as fontes no mercado livre, os projetos que têm maior chance de serem implementados são aqueles capazes de produzir energia elétrica ao menor custo. Visando a auxiliar desenvolvedores de projetos e investidores interessados na fonte, este artigo se dedica a mapear e compreender os principais fatores que determinam a competitividade de um projeto de UEE no Brasil.

Principais fatores de competitividade

A viabilidade econômica de um projeto eólico é função de quatro principais variáveis, conforme ilustrado na Figura 1:

  • O custo de produção de energia elétrica, que pode ser desdobrado em inúmeros fatores discutidos adiante;
  • O preço de venda potencial da eletricidade durante toda a vida útil do projeto;
  • As fontes e condições de financiamento disponíveis e aplicáveis ao projeto; e
  • A Taxa Mínima de Atratividade (TMA) exigida pelo investidor, a qual deve ter implícito em seu cálculo o risco específico do projeto em análise.

Fig. 1 – Principais variáveis que determinam a viabilidade econômica.

Fonte: elaborado pelo autor (2023).

A Figura 2, a seguir, desdobra essas variáveis em uma lista de principais fatores que afetam a competitividade de um projeto e os classifica em três categorias:

(i) Endógenos: aqueles intrínsecos e particulares a cada projeto e que, portanto, são decorrentes de escolhas do empreendedor;

(ii) Exógenos: aplicáveis a todos os projetos eólicos independentemente de suas particularidades – porém, não necessariamente fora do controle do empreendedor; e

(iii) Transversais: dependem de outros fatores, sendo parte endógenos e parte exógenos.

Fig. 2 – Fatores de competitividade de um projeto de usina eólica.

Fonte: elaborado pelo autor (2023).

Fatores endógenos ao projeto

Os fatores endógenos elencados são consequência de escolhas da empresa que está desenvolvendo o projeto. As principais escolhas são a da localização da UEE, do ponto de conexão e de suas características técnicas.

A escolha do local tem um grande peso no desempenho da futura usina. Dela derivam, por exemplo, o recurso eólico disponível e suas características, o que impacta diretamente o volume e a incerteza da geração de eletricidade da usina. A localização também traz impactos indiretos no orçamento de CAPEX. Por hipótese, se a topografia e as condições de solo do local escolhido não forem favoráveis, o projeto demandará maiores investimentos para a fundação das torres. Se no entorno houver limitações de disponibilidade e qualificação de mão de obra ou, ainda, infraestrutura logística inadequada, haverá impacto em custos e no prazo de implantação da UEE.

A escolha do ponto de conexão, por sua vez, impacta a competitividade do projeto de várias formas. Quanto mais longe o projeto estiver do ponto de conexão, maior será o investimento e o custo de manutenção da infraestrutura de conexão, e maiores serão as perdas. Se o projeto demandar um seccionamento de linha, maior será o investimento e mais incerto será o prazo de implantação. A tensão da conexão, o escopo de eventuais reforços de rede necessários e o risco de indisponibilidade de margem de escoamento de energia elétrica e de constrained-off da UEE também são consequência dessa escolha.

Da localização do projeto e do ponto de conexão também derivam custos e despesas relevantes; por exemplo, o pagamento pelo uso dos imóveis e, principalmente, o Encargo de Uso do Sistema de Transmissão/Distribuição (EUST/D). Este é função da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão/Distribuição (TUST/D), que é diferente para cada ponto de conexão. Como referência, para cada incremento de R$1,00/kW/mês da TUST/D, o impacto no custo de produção de eletricidade de uma UEE com fator de capacidade líquido de 50% é de R$1,37/MWh, considerando o desconto de 50%.

A localização da UEE também determina seu submercado para fins de comercialização de energia elétrica. Ademais, projetos fora da área de atuação da Sudene[2] não são elegíveis a financiamento com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE). Essas fontes são consideravelmente mais competitivas do que o BNDES e o mercado de capitais.

A definição das características técnicas da UEE tem grande impacto no custo de produção da eletricidade. Afeta diretamente a geração e as perdas da UEE, o CAPEX, custos e despesas operacionais, dentre outros. Cabe ao empreendedor buscar a configuração do parque, a escolha das turbinas e dos fornecedores chave que possibilitará produzir eletricidade ao menor custo e com menor risco. Isso não necessariamente significa o menor LCOE[3] – cuja metodologia de cálculo possui algumas limitações. Deve-se buscar a configuração que maximize a criação de valor ao investidor para aquele projeto em específico, considerando os fatores exógenos e transversais que se apresentam no momento da análise.

Fatores exógenos e transversais

A perda de competitividade da fonte eólica a partir de 2020 se deve a fatores que afetam todos os projetos no Brasil e estão fora do controle dos empreendedores. São eles: a maxidesvalorização do real (taxa de câmbio); o aumento de custo, em moeda estrangeira, de equipamentos e componentes importados e do frete marítimo internacional (fator CAPEX); e a alta das taxas de juros dos títulos públicos e da inflação, tanto no Brasil quanto no exterior.

Em torno de 50% do custo das turbinas eólicas com código Finame varia em função da taxa de câmbio. Parte deste risco é gerenciado pelos fabricantes e parte é alocado diretamente ao investidor nos contratos de suprimento. Os componentes do CAPEX em moeda estrangeira também afetam o custo de operação e manutenção (O&M) da UEE. Portanto, para projetos com receita em reais, quanto menor a exposição do CAPEX e do O&M a moedas estrangeiras, melhor. A Figura 3 ilustra o histórico da cotação média mensal do dólar – e sua volatilidade – na última década.

Fig. 3 – Histórico da cotação do dólar comercial (venda).

Fonte: IPEA Data (2023)[iii].

A importante alta da curva de juros futuros impacta, direta e indiretamente, no custo de produção de eletricidade de novos projetos. A Figura 4 ilustra o aumento de mais de 200 pontos-base (2% a.a.) da taxa da Nota do Tesouro Nacional (NTN-B) desde 2020 e de mais de 300 pontos-base da parcela fixa da Taxa de Longo Prazo (TLP), que compõe o custo de financiamento do BNDES, do FNE e do FDNE. Além disso, quanto maior os juros futuros, maior será a TMA do capital próprio exigida pelos investidores. O efeito indireto é que tais aumentos também impactam nos custos da cadeia produtiva de fornecimento.

Fig. 4 – Histórico das taxas de venda da NTN-B com vencimentos em 2026 e 2030 e da parcela fixa da TLP.

Fonte: Tesouro Nacional (2023)[iv]; BNDES (2023)[v]

O aumento das taxas de juros, no entanto, não foi a única alteração desfavorável nas condições de financiamento dos projetos. No caso do FNE, a disponibilidade de recursos para o setor eólico caiu consideravelmente a partir de 2020, e o limite da alavancagem financeira foi reduzido para 40% do orçamento do projeto (RUIZ, 2023)[vi]. Em 2023, há a restrição adicional de novas contratações estarem limitadas a R$ 200 milhões por grupo econômico. Com isso, na prática, os empreendedores foram forçados a buscar crédito complementar junto a fontes menos competitivas, como BNDES e o mercado de capitais por meio das debêntures incentivadas.

Outros dois fatores exógenos e particulares ao Brasil são a regulação do setor elétrico e a tributação. Nesses tópicos, qualquer mudança de regra pode impactar a competitividade relativa da fonte, seja para melhor ou para pior. Portanto, requer monitoramento e atenção permanente das partes interessadas.

O principal exemplo de alteração regulatória desfavorável para a fonte é a previsão do fim do desconto na TUST/D, estabelecida pela Lei nº 14.120/21[vii]. A boa notícia é que, por se tratar de uma tarifa sobre a potência, o impacto no valor do EUST/D será mais severo na fonte fotovoltaica do que na eólica (RUIZ, 2021)[viii]. Vale destacar que o fim do desconto também impactará negativamente o preço de venda da energia elétrica pelas novas UEEs no mercado livre, que passará a ser comercializada como eletricidade convencional. Outra mudança desfavorável é o fim da estabilização da TUST/D para novos projetos no mercado livre.

Dentre as mudanças regulatórias recentes favoráveis à fonte, destacam-se: a publicação pela Aneel da Resolução Normativa 954/21[ix], que trata dos projetos associados e híbridos; e a Lei nº 14.286/21[x], que confere maior segurança jurídica para a celebração de contratos de venda de energia elétrica com pagamento em moeda estrangeira junto a consumidores livres que sejam exportadores. Ambas, boas oportunidades para o aumento de competitividade de projetos eólicos.

No que se refere a mudanças tributárias, alguns dos temas de maior preocupação para a competitividade das UEEs são: a instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em regime exclusivamente não-cumulativo, prevista na Proposta de Emenda Constitucional 45 aprovada na Câmara dos Deputas em julho de 2023; e eventuais reformas do imposto de renda, contribuição social e instituição da tributação de dividendos, que podem reduzir a competitividade relativa do regime de Lucro Presumido sobre o de Lucro Real (RUIZ; EDELSTEIN, 2021)[xi].

A evolução tecnológica, por sua vez, tem se provado historicamente como o principal fator de aumento de competitividade da fonte eólica. No caso, faz-se referência tanto ao aumento de fator de capacidade permitido pela evolução dos aerogeradores quanto à, até então, sistemática redução do CAPEX por MW. Entretanto, a evolução tecnológica também se aplica às demais fontes e tem sido mais acentuada no caso da fonte fotovoltaica.

O perfil do investidor do projeto também tem peso relevante na competitividade da UEE. Para um mesmo projeto, um investidor que requeira uma TMA do capital próprio menor consegue ofertar energia elétrica mais barata. Vale ressalvar que a TMA do capital próprio a ser aplicado ao projeto também deveria ponderar a avaliação de risco do respectivo projeto. Por esta razão, a TMA foi classificada como fator transversal.

Adicionalmente, o perfil do investidor pode contribuir positivamente sempre que resultar na obtenção de condições mais favoráveis de financiamento como, por exemplo, devido à saúde financeira do grupo ou à capacidade e histórico de execução de projetos similares. Por fim, quanto maior o poder de barganha do investidor junto aos fornecedores, mais competitivo será o CAPEX e o O&M do projeto.

Com o ganho do protagonismo do ACL na viabilização de novos projetos, a capacidade de originação de clientes, a estratégia mercadológica e o arranjo contratual se tornaram importantes diferenciais competitivos. No tema da capacidade de originar clientes, novamente, o perfil do investidor pode fazer diferença; por exemplo, como no caso de empresas do setor elétrico que tenham comercializadoras de grande porte dentro do mesmo grupo econômico. Também, a depender da estratégia de comercialização, um projeto ficará mais ou menos exposto ao valor do PLD, que está totalmente fora do controle do investidor.

Competitividade relativa

A conclusão quanto ao nível de competitividade de um projeto greenfield de UEE requer a comparação com outros projetos eólicos. Deve-se considerar tanto projetos independentes quanto híbridos, com e sem armazenamento de energia elétrica, onshore e offshore, assim como comparar com projetos brownfield (e.g. expansão, retrofit, repotenciação etc.). Projetos de expansão de UEEs operacionais e projetos fotovoltaicos associados a UEEs operacionais são modalidades de menor custo e risco de implantação e operação. Logo, são potencialmente mais competitivos do que a média dos projetos greenfield independentes (RUIZ; SCARAMUCCI, 2022)[xii].

Por fim, faz-se necessária a comparação com projetos e usinas operacionais de outras fontes. Essa comparação é fundamental no âmbito do mercado livre e em um contexto de baixos preços de eletricidade e de sobreoferta de projetos de fontes renováveis.

Conclusões

Apesar da recente queda nos valores de CAPEX e início da redução nas taxas de juros, a queda aguda e persistente nos preços de eletricidade – de curto e longo prazo – traz uma conjuntura bastante desfavorável para a viabilização de novos projetos de geração eólica. Nesse contexto, é fundamental priorizar projetos capazes de produzir energia elétrica ao menor custo e com um nível de risco compatível com o retorno esperado. Daí a importância de se mapear e compreender os principais fatores que determinam a competitividade de um projeto de UEE no Brasil.

Como cada projeto tem suas particularidades, a análise do investimento requer customização, profundidade, rigor técnico e isenção. Ela deve contemplar um estudo de viabilidade técnica e econômica robusto, incluindo a verificação independente de premissas para se certificar de que estão atualizadas, completas e sem erros, omissões e vieses. Deve considerar também uma análise de riscos prévia e detalhada, com a elaboração de um plano de gerenciamento de riscos customizado ao projeto. Além disso, a conclusão quanto ao nível de competitividade de um projeto de UEE ainda depende da comparação com projetos e usinas operacionais concorrentes, não só eólicas.

 

[1] CAPEX – Capital Expenditures (investimentos de capital).

[2] Sudene – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

[3] LCOE – Levelized Cost of Energy

[i] DCIDE. D-Energia Dashboard. Acesso em: 02 ago. 2023. Disponível em: https://denergia.com.br/dashboard

[ii] ANEEL. SIGA – Sistema de Informações de Geração da ANEEL. 2023. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNjc4OGYyYjQtYWM2ZC00%20YjllLWJlYmEtYzdkNTQ1MTc1NjM2IiwidCI6IjQwZDZmOWI4LWVjYTctNDZh%20Mi05MmQ0LWVhNGU5YzAxNzBlMSIsImMiOjR9. Acesso em: 18 ago. 2023.

[iii] IPEA DATA. Dados do Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Balanço de Pagamentos (Bacen/Boletim/BP), 2023. Disponível em: http://ipeadata.gov.br/Default.aspex. Acesso em 07 ago. 2023.

[iv] TESOURO NACIONAL. Histórico de preços e taxas: NTN-B. 2023. Disponível em: https://www.tesourodireto.com.br/titulos/historico-de-precos-e-taxas.htm. Acesso em: 07 ago. 2023.

[v] BNDES. Histórico da parcela fixa da TLP. 2023. Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/historico-da-parcela-fixa-da-tlp. Acesso em: 07 ago. 2023.

[vi] RUIZ, E. T. N. F. Panorama do financiamento de projetos eólicos em 2023. Portal Cenários Eólica. Editora Brasil Energia. Publicado em 30 mar. 2023. Disponível em: https://editorabrasilenergia.com.br/panorama-do-financiamento-de-projetos-eolicos-em-2023/

[vii] BRASIL. Lei nº 14.120, de 1 de março de 2021. Dispõe sobre a regra de transição para o fim do desconto da TUST. Diário Oficial da União, Brasília, 2021.

[viii]   RUIZ, E. T. N. F. Impacto do fim do desconto na TUST/D na competitividade de projetos fotovoltaicos. Revista Fotovolt, São Paulo, v. 7, n. 43, p. 56-59, nov./dez. 2021.

[ix] ANEEL. Resolução Normativa n.º 954, de 30 de novembro de 2021. Estabelece tratamento regulatório para a implantação de UGH e centrais geradoras associadas. Diário Oficial da União, 06 dez. 2021.

[x] BRASIL. Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021. Dispõe sobre o mercado de câmbio brasileiro, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no País e a prestação de informações ao Banco Central do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 2021.

[xi] RUIZ, E. T. N. F; EDELSTEIN, A. Impactos do PL 2.337/2021’ na Competitividade de Projetos Eólicos. Portal Cenários Eólica. Editora Brasil Energia. Publicado em 01 nov. 2021. Disponível em: https://cenarioseolica.editorabrasilenergia.com.br/2021/11/01/impactos-do-pl-2-337-2021-na-competitividade-de-projetos-eolicos/

[xii] RUIZ, E. T. N. F; SCARAMUCCI, H. F. A. Vantagens e desafios do desenvolvimento de projetos fotovoltaicos associados a usinas eólicas em operação. Portal Cenários Eólica. Editora Brasil Energia. Publicado em 28 jan. 2022. Disponível em: https://cenarioseolica.editorabrasilenergia.com.br/2022/01/28/vantagens-e-desafios-do-desenvolvimento-de-projetos-fotovoltaicos-associados-a-usinas-eolicas-em-operacao/

 

Eduardo Tobias Ruiz, especialista em análise de viabilidade econômica de projetos, financiamento, M&A e desenvolvimento de negócios, é sócio-diretor da Watt Capital e escreve na Brasil Energia a cada quatro meses

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