Opinião

Decisões no curto prazo, escolhas de longo prazo

A discussão sobre a exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas envolve o posicionamento estratégico do Brasil no mercado de derivados, a confiança na tecnologia disponível no país e o contrassenso em relação à transição energética no longo prazo

Por Osmani Pontes

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Em 2015, a ExxonMobil descobriu reservas de petróleo na costa da Guiana, a ex-colônia inglesa na América do Sul, independente em 1966. Em 2022, o PIB do pequeno país cresceu 62% e para 2023 o Banco Mundial prevê 48%. Hoje, a Guiana é o maior produtor per capita do planeta e viu sua produção baseada no bloco de Stabroek expandir de 100 mil para 400 mil barris/dia. Até 2027 as petrolíferas estimam bombear mais de 1 milhão de barris/dia e o fundo soberano da Guiana composto por royalties já soma 600 milhões de dólares em saques, que devem chegar a 1 bilhão até o final do ano.

A mais nova economia emergente lida com as tensões sociais, raciais e políticas entre afrodescendentes e indianos sem o temor da doença holandesa[1]. O risco não ocorre na Guiana porque não há indústria estabelecida, já que a maior parte da economia do país era até então sustentada por bens primários agrícolas. Além disso, o setor de óleo e gás tem potencial para desenvolver outras atividades, que criam setores que formam clusters industriais.

Essa reserva de petróleo chamou atenção para as reservas existentes na Margem Equatorial, a região marítima entre o Rio Grande do Norte e o Amapá que já é chamada de “o novo pré-sal”, cuja exploração reflete a busca da Petrobras por novas regiões após o esgotamento das bacias de Campos e de Santos, e o interesse da empresa em deslocar as operações do Sudeste para o Norte/Nordeste, gerando ganhos de royalties para as duas regiões mais pobres do Brasil. São cerca de 700 poços já perfurados e 41 blocos exploratórios, dos quais a Petrobras opera em 16 e é parceira em outros 4. Desses 41 blocos, 20 aguardam licença ambiental. Há mais 83 aguardando concessões da ANP, 14 previstos para abertura de concessão e 289 em andamento de pedido de abertura de concessão.

A Petrobras entra nessa questão na medida em que já há participação de empresas de exploração estrangeiras, notadamente americanas, francesas, japonesas e chinesas. O Plano Estratégico (2023-2027) prevê 2,9 bilhões de dólares investidos nos 16 poços. Isso responde por 49% do investimento em E&P da empresa, contra 45% destinado às bacias do Sudeste.

O Ibama já vetou a exploração no poço 59, na foz do rio Amazonas. A Petrobras alega que possui tecnologia de ponta para exploração sem danos ambientais e pontua a Nova Geração de Soluções, que contempla inovação e eficiência, operação remota, inteligência de dados, uso de mapeamento sísmico e otimização exploratória.

Segundo as empresas do setor, haverá demanda interna por derivados do petróleo que justifique a exploração pelo menos até 2030, de modo que há necessidade de buscar nova oferta de óleo e gás. Por seu turno, isso contraria o papel que se espera das petrolíferas no século XXI, que é o da transformação de empresas de petróleo em empresas de energia, com foco em energia limpa. Isso combina também com a ideia do deslocamento do eixo da produção da Petrobras para o Norte e Nordeste, onde há possibilidades de exploração de energia solar, eólica, verde e elétrica, lastreadas em novos investimentos que atendam aos protocolos ESG.

Contrabalançando esse conjunto de elementos, e tendo em vista que a transição energética é demorada, é preciso atender a demanda. Até porque já há concorrência externa pela região e a empresa investiu nos últimos anos em tecnologia menos invasiva e menos danosa. Em que pese que nada disso zera o risco de acidentes na produção que gerem desastres ambientas no mais rico e importante bioma do país, o que macularia de forma severa a imagem da empresa, já desgastada nos últimos anos em outra frente, pela operação Lava-Jato, o que forçaria uma transição energética ainda mais rápida e custosa.

A decisão deve ser tomada no presente, mas as variáveis relevantes estão postas no longo prazo, sobretudo porque uma vez iniciada a exploração, é preciso tempo para que a escala dilua os elevados custos fixos iniciais de introdução das operações.


[1] O fenômeno é causado quando as receitas de exportação de um bem apreciam a moeda local inviabilizando as exportações dos demais setores do país que sucumbem em participação no PIB. O termo surge na Holanda dos anos 1960 quando a descoberta de gás natural afetou a indústria têxtil do país.

 

 

Osmani Pontes é economista, com MBA em mercados de derivativos, opções e futuros pelo INSPER e em gestão de portfólios cambiais pela EPGE/FGV. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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