Opinião

O papel das commodities energéticas na política monetária em 2024

Em meio ao ciclo de redução de juros globais, as expectativas de inflação podem se tornar mais sensíveis a choques exógenos, tendo o petróleo e o gás natural função determinante na dinâmica de preços de ativos

Por Osmani Pontes

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Após a parcial convergência das expectativas de inflação para suas metas e um aumento da confiança no processo de ancoragem de inflação esperada, os bancos centrais iniciaram cortes nas taxas de juros que levaram à depreciação do dólar global, o que exerce pressão altista sobre as commodities.

Isso porque as commodities são negociadas em dólar, logo, se há uma perda de valor do dólar enquanto unidade de conta que mede os preços, para manter o valor do produto constante em termos reais há que se elevar o preço nominal negociado em mercados.

Assim, a fonte de tensão dos bancos centrais não é uma pressão de demanda decorrente de aumento dos gastos das famílias, afinal espera-se que os bancos centrais só consolidem o processo de normalização monetária quando a taxa de inflação estiver próxima às metas, o que implica equilíbrio nos mercados. Mas a preocupação reside, sim, no comportamento dos preços de commodities capazes de configurar um choque de oferta.

Nesse sentido, há um aumento do peso dos preços de petróleo e gás na capacidade de geração de choques, sobretudo por justamente se imaginar estabilidade nos preços observados em outros mercados e estes bens serem mais voláteis a eventos externos, como observado recentemente na interrupção de fluxo comercial no Mar Vermelho.

As commodities podem ser: metálicas preciosas, que servem como hedge (seguro) contra inflação por não remunerarem juros, portanto não sendo corroídos por inflação que levaria a juros reais baixos; metálicas não preciosas, que são usadas como insumos para o desenvolvimento industrial e, portanto, apresentam trajetória mais próxima ao ciclo econômico, caindo de cotação em momentos de baixa e subindo em momentos de alta; commodities alimentícias, que não são insumos de produção, mas têm demanda ligada ao abastecimento das economias, também apresentando um caráter pró-cíclico em menor grau; e  commodities energéticas, que por explicarem parte das pressões inflacionárias em momentos de choque de preços podem assumir, ainda que temporariamente, a função de hedge contra inflação, apresentar relação com o ciclo econômico, sendo mais demandadas em períodos de expansão do produto por serem insumos para a indústria, mas também podem esbanjar demanda inelástica ao ciclo da produção, já que são negociadas em contratos de longo prazo.

E há contágio para outros mercados, pois o preço futuro é o preço à vista mais o prêmio de risco menos o custo de armazenamento. Ou seja, se o preço futuro fica abaixo do preço à vista é um sintoma de que o custo de armazenamento está muito elevado, solapando o prêmio. Nesse caso, os detentores de mercadoria física querem se desfazer de seus estoques que passaram a ser muito custosos e, por seu turno, os detentores de contratos futuros querem se desfazer de seus papéis antes do vencimento porque, caso segurem o papel, no vencimento receberão mercadorias físicas que nem os próprios detentores querem segurar. Incorreriam, assim como os detentores atuais, nos custos de armazenamento e como também não conseguem rolar os contratos porque não há demanda, os preços futuros desabam. Mas aí os produtores, ou donos dos ativos físicos, baixam os preços para se livrarem logo de seus estoques e assim o preço à vista cai fortemente, ficando próximo do futuro que tende a novamente ficar acima com o tempo, na medida em que o prêmio se recompõe. A variável de ajuste é o custo de armazenamento.

Nas cotações em mercado futuro, no vencimento haverá demanda por entrega desses produtos, o que pode ter dois efeitos: demanda por físicos caso haja não rolagem dos contratos e aumento do custo de estocagem nos armazéns, ou aumento das cotações por conta de pressão por rolagem, sempre contaminando as cotações à vista.

Nessa dinâmica, sob mercados de ativos com preços estáveis, os preços de petróleo e gás negociados à vista tornam-se mais potentes para gerar choque de preço que gere contágio para os mercados de ativos, tanto sob a forma de contratos futuros, quanto sob a forma de índices de empresas do setor listadas em bolsa, provocando um duplo efeito sobre a inflação global: o canal de preços de ativos, além do já citado choque de oferta.

 

Osmani Pontes é economista, com MBA em mercados de derivativos, opções e futuros pelo INSPER e em gestão de portfólios cambiais pela EPGE/FGV. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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